Ao Senhor Renato...

Por Heloísa Sousa
26/09/2017

ATENÇÃO: Isto, eu não sei se é uma crítica.

Só posso dizer daquilo que sinto, daquilo que pulsa daquele jeito como qualquer coisa. Mas esse algo do qual eu não falo não é simples, e se compõe de tudo aquilo que está naquele lugar. Dessa forma, tem um sentido que eu não expresso. Mas eu sei que quer dizer algo. E quando eu tento expressar, eu me perco naquilo que virá a ser tudo aquilo que eu não vou entender. E então, eu decido permanecer assim, porque de outro jeito não há como. [Isto é algo que eu disse em algum raro momento em cena e que me persegue em muitas experiências].

Senhor Renato, me dissolvi contigo pela primeira vez em São Paulo, em banquinhos do SESC Pompeia com minha velha companheira, a Senhora Rinite [Alérgica]. Ela se cansou dos seus devaneios e foi embora na metade do espetáculo e me deixou em paz para seguir outros fluxos. Aquele dia foi simples e intenso.

Senhor Renato, eis que um dia você vem até a minha cidade e eu posso me dissolver novamente contigo, dessa vez, as águas não escorreram pelo nariz, mas escorreram pelos olhos. Tem umas coisas que são ditas, dançadas, olhadas e expressadas que disparam outras coisas em algumas pessoas.

ATENÇÃO: Eu não vou ser objetiva. E isso não é um grande desafio.

Existe um momento em que a técnica provoca saturação. E então, essa carga começa a vazar por outros poros e escorrer por outros territórios. E então, chegamos [ou voltamos?] na filosofia. Para que rimar amor e dor? [C.V.]. E dessa amizade vem as explosões de tudo aquilo que enrijecemos e acreditamos ao longo da vida. E então, surgem alguns risos e algumas lágrimas. Senhor Renato, disse que fala de esquizofrenia, mas não só da patologia, mas também de outros desvios. Acho que o Senhor Renato fala do esquizo. Senhor Gilles [Deleuze] e Félix [Guattari] também falam disso; assim como a Natasha, o Lucas, o Fernando e eu mesma, embora a gente nem sempre perceba.

A Senhora Cristiane [Mesquita] fala que eles [Gilles e Félix – e Renato, Natasha, Lucas, Fernando, eu mesma ou não] “apontam o esquizo como aquele que marca um diferencial no agenciamento de fluxos, distintos de modos capitalísticos de codificação das chamadas ‘patologias psíquicas’ e da própria concepção de subjetividade”. O esquizo “encarado como ‘processo’, passagem para fluxos que se aproximam de um potencial revolucionário, considerando-se as determinações sociais e políticas do termo: [...] o que é o esquizo, senão primeiramente aquele que não pode mais suportar ‘tudo isso’, o dinheiro, a bolsa, as forças da morte [...] Os valores, morais, pátrias, religiões e certezas privadas?”. A Senhora Cristiane fala coisas difíceis e bonitas.

Se encontrou?

E então, Senhor Renato, me deram a possibilidade de escrever [e publicar!] um texto crítico sobre seu momento-estético-esquizo. Logo esta bendita crítica que a Senhora Beatriz [Cerbino] me ensinou que se origina da palavra grega krinein que significa “quebrar uma obra artística em pedaços para pô-la em crise, interrogando-a e, ao mesmo tempo, interpretando-a”. Seria isso uma crítica-esquizo? Eu sei, eu sei que já escrevi isso aqui antes, mas é que tem coisas que precisam ser repetidas. E ficamos assim fazendo o mesmo tudo de novo, mas sempre de uma outra forma.

Se encontrou?

Mas também tem várias questões sobre o afeto e a ética que o Senhor Baruch [Espinosa] nos disse. Estou começando a me preocupar com o excesso de senhores nesse texto, mas vou deixar passar, deve haver enormes porcentagens de senhoras neles também. E nessa de ser afetado, vamos começando a tomar consciência desses processos de interação e vamos provocando as estruturas estabelecidas de recepção e convidando o outro a estar ali em um momento meio sem definição mas que se você deixar as vírgulas de lado talvez sinta alguma coisa nesse fluxo de intensidades que vai preenchendo aqueles espaços entre os corpos. Ética, o que está entre o egoísmo e o altruísmo, foi o Senhor Edgar [Morin] quem disse.

Se encontrou?

E a simplicidade da multiplicidade de semelhanças e diferenças parecem que foram esquecidas no nosso cotidiano, mas então, surge um careca no meio da pequena multidão para ir nos lembrando de tudo isso, do óbvio. Mas não se iluda, eu acho que ele – o careca – também deve esquecer disso, às vezes, mas a gente vai se esforçando ao máximo para lembrar – e praticar.

E se você espera pela espetacularidade... não, não... faça isso não... deixa isso pra lá, vem pra cá... a gente não tá fazendo nada mesmo. Há momentos em que o hibridismo extrapola as fronteiras e vão surgindo coisas pobres e suficientes. É outra coisa, esquece.

Se encontrou?

Se não, talvez a gente realmente esteja precisando de um abertomologista, aquele doutor que nos ajuda a nos despirmos das couraças e simplesmente encontrar o outro com tudo o que ele tem a oferecer. E se você foi ao oftalmologista direitinho, vai ver que tem muita coisa nesse outro. E não esqueça de voltar ao cardiologista, você pode não aguentar os disparos. E se não aguentar, também não tem problema. Um dia todo mundo se vai mesmo.

Eu estou contido no outro. O outro está contido em mim.

Nesse meio, UMA lágrima, bem singular.

Criação: Luis Ferron e Renato Ferracini
Direção e Composição: Luis Ferron
Atuação: Renato Ferracini
Assessoria de Mímesis: Raquel Scotti Hirson
Composição Musical: Marcelo Onofri
Acordeão: Edu Guimarães Sanfona
Voz: Carlos Simioni
Poema Final: Gertrude Stein
Coordenação Técnica: Francisco Barganian
Audiovisual e Registro: Alessandro Poeta Soave
Apoio Administrativo: Cristiane Taguchi e Giselle Bastos
Design Gráfico e Fotografia: Arthur Amaral
Assessoria de Comunicação: Marina Franco
Produção Executiva: Luciene Maeno
Assistente de Produção: Luiza Moreira Salles
Coordenação de Produção: Cynthia Margaret

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