[Quem conhece Clarice Lispector?]

Por Heloísa Sousa
07/05/2017

No quinto dia da 10ª edição do Encontro de Dança em Natal (RN), a GEDA Cia. de Dança Contemporânea apresentou um espetáculo solo sobre momentos da vida e trajetória da escritora Clarice Lispector. Com direção de Maria Waleska Van Helden, a bailarina Fabiane Severo assume figuras, movimentos e imagens em alusão a biografia de Lispector, um destaque na literatura brasileira por sua forte personalidade e por uma abordagem existencial em seus textos. O grupo que reside em Porto Alegre (RS) trabalha desde 1980 com a linguagem da dança contemporânea e atualmente apresenta este trabalho permeado pela linguagem do vídeo, da música e do teatro.

O espetáculo se destaca pelas composições visuais sugeridas com a presença de vários elementos cenográficos, materialidades de cores e formas distintas, projeção de um vídeo-arte que se cruza com o corpo da bailarina. As cenas se baseiam em três momentos de Clarice Lispector: seu nascimento, sua infância e a fase adulta.

Em um primeiro momento, a bailarina interage com fotografias de família projetadas, com ruídos, com uma tonalidade vermelha que denotam um nascimento carregado de dificuldades; como revela a diretora do espetáculo em depoimento, Clarice vem ao mundo com a missão de curar sua mãe e este é apenas o primeiro fardo que precisará carregar ao longo de sua vida. O segundo momento é marcado por ludicidade com imagens de estrelas projetadas, bolinhas de isopor espalhadas pelo chão e um figurino cor de rosa que transforma a intérprete em uma “verdadeira bailarina”. O último momento é marcado por uma Clarice adulta já escritora, envolta em papeis, livros e revoltas; a roupa infantil de bailarina dá lugar a peças de roupas elegantes com óculos escuros, casacos e pele de animal. O espetáculo se encerra em meio a fumaça de um cigarro que não saia das mãos de Clarice e que marcava sua postura e seus hábitos.

Com a entrada da intérprete Fabiane Severo em cena, inicialmente me questionei se a obra iria trazer Clarice Lispector como personagem no corpo da bailarina ou se seriam, de fato, apenas imagens e sensações baseadas na biografia da escritora. Apesar da ausência de falas verbais e da utilização de movimentos corporais para aludir aos momentos marcantes da vida de Lispector, é a primeira opção que aparece em cena. Em um cruzamento entre dança e teatro, Clarice surge corporificada em Fabiane que se relaciona com os objetos em cena em movimentos de citações a sua história e seus escritos. Talvez, isso até se apresente como uma barreira de percepção na obra. Eu, que li apenas “A Hora da Estrela” de Lispector, passei a fazer leituras superficiais das partituras dançadas que foram aprofundadas por comentários de outro espectador amigo após o espetáculo que conhecia mais sobre outras obras da autora.

Se por um lado, a obra se destaca pelo hibridismo de linguagens experimentados em cena e pelo uso de objetos que auxiliam na construção de um espaço-tempo que mexe com o nosso imaginário; por outro, a obra parece apenas ilustrar alguns momentos marcantes da trajetória ao invés de se deixar levar pela complexidade da escrita e das questões humanas abordadas por Clarice.

Lispector é um daquelas figuras que, infelizmente, foi desgastada pelas mídias sociais que repetiu frases descontextualizadas da escritora com certa exaustão. Depois disso, dificilmente alguém desconhece este grande nome da literatura brasileira. No entanto, conhecer seu nome e algumas palavras proferidas por ela, não nos torna próximos da densidade de sua obra e da força feminina que ela carregava e que era perceptível nas poucas entrevistas que concedia. Neste sentido, a força da presença de Clarice reverbera na maturidade de Fabiane Severo em cena. No espaço da dança, tomado por corpos muito jovens e que eternizam “a fase dos vinte anos”; há muita beleza e potência em ver dançar um corpo maduro, carregado de experiências e vivências. E isso me lembra a sensação que temos ao ver imagens e vídeo de Clarice Lispector. É o peso da vida.

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