Do que eu não posso, não quero, não consigo ou opto por não falar.

Por Diogo Spinelli
08/05/2017

Nos dias 06 e 07 de maio foi apresentado no Trema! Festival de Teatro o espetáculo Diga que você está de acordo! MÁQUINAFATZER, do grupo cearense Teatro Máquina. A montagem, estreada no ano de 2014, toma como material base o texto incompleto do dramaturgo alemão Bertolt Brecht conhecido como Fragmento Fatzer, cujo núcleo composto por três partes foi publicado em 1931.

MÁQUINAFATZER é um espetáculo lacunar. Esse aspecto é ressaltado de forma radical pela opção da não utilização de falas em português por parte das personagens. Nas poucas ocasiões em que falam, as figuras que acompanhamos ao longo da montagem adotam um idioma não-existente, espécie de grammelot, no qual escapam escassas palavras reconhecíveis. No mundo de mutilados apresentado em MÁQUINAFATZER, a própria comunicação parece encontrar-se dilacerada, adquirindo características bestiais. Ao optar por esse recurso, a encenação tensiona o quanto a produção de sentido [no teatro e fora dele, mas sobretudo nele] está necessariamente vinculada ao discurso emitido de forma verbal.

Há uma guerra em andamento, mesmo que seu contexto exato não nos seja revelado. Cinco figuras – quatro [ex-]soldados e uma figura feminina –  coabitam um casebre/esconderijo. Pouco sabemos sobre as personagens que habitam o pequeno bunker, ou do passado que fez com que elas chegassem àquela situação específica, mas seu cotidiano exasperante nos é dado a conhecer no primeiro excerto do espetáculo: uma sequência de ações repetitivas que acaba por levar a figura feminina à exaustão. Tampouco sabemos quais relações essas figuras possuem entre si, ainda que algumas delas nos sejam apresentadas de maneira mais clara – como o insistente interesse sexual do soldado de óculos pela personagem feminina e a recusa desta, ou o fato de, em determinado momento, o quarto personagem masculino ser acusado de traição. Ele, aliás, se configura como o único personagem que transita entre o ambiente externo e o esconderijo, e é através de sua figura e de algumas poucas modificações na trilha sonora do espetáculo que podemos intuir mudanças no conflito exterior.

Se desde o início de MÁQUINAFATZER já está instaurado um estado de exceção e as personagens já se encontram em ruínas, ao longo da montagem percorremos uma trajetória sem volta em direção à degradação humana e sua animalização, na qual as relações entre as personagens vão progressivamente se esfacelando, do mesmo modo que se deteriora o ambiente na qual habitam. Fundamental destacar que em nenhum momento da montagem chegamos a entrar em contato de fato com o “inimigo” ao qual aquelas personagens estão submetidas. Estando todas as figuras, teoricamente, do mesmo lado do macro conflito, são suas relações e contradições internas que, naquele contexto, acabam por acelerar seu processo de autodestruição.

Nesse percurso em declínio, mais do que a figura do possível traidor [Fatzer], destaca-se na montagem do Teatro Máquina a personagem feminina, pincipalmente pelo seu contraste de gênero em relação às demais figuras, e pelas implicações derivadas dessa oposição. Se por um lado é ela quem reorganiza e procura recuperar um pouco da ordem em meio à destruição – mesmo que isso signifique retomar sua ação de servir e sua posição de subserviência – por outro, a exploração de sua sexualidade implicará na derrocada final das relações entre aqueles indivíduos.

MÁQUINAFATZER possui um rigor técnico, sobretudo no que tange a execução das partituras corporais por parte do elenco, e uma estética arrojada – com especial destaque para a cenografia, na construção de seu esconderijo/cativeiro – que configuram um espetáculo tenso, calcado na revelação de violências. Contudo, ao optar por deixar ainda mais lacunar o fragmento original de Brecht, a montagem resulta em uma obra que se comunica de forma parcial com o público, correndo o risco do hermetismo.  

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