Impulso vital.

Por Diogo Spinelli
12/05/2017

O diafragma é um músculo presente em todos os mamíferos (e em certos tipos de ave), e que possui como principal função propiciar que os pulmões se encham e se esvaziem de ar no processo respiratório. Seu movimento involuntário (mas que pode sofrer alterações voluntariamente) é imprescindível para assegurar nossa sobrevivência.

Denominam-se também diafragma certas peças de determinados mecanismos, como bombas hidráulicas, válvulas e máquinas fotográficas, cujas funções variam de caso a caso, mas unem-se pela característica de possibilitarem movimentos de expansão e retração.

É justamente no embate entre o natural e o artificial, a dilatação e a contração, que a performer Flavia Pinheiro constrói Diafragma 1.0: Como manter-se vivo?, apresentado no Trema! Festival.  A performance faz parte de uma trilogia criada pela artista, na qual de modos distintos a cada obra, são discutidas as relações de interação entre o corpo humano e tecnologia.

Em Como manter-se vivo?, a performer é acompanhada a maior parte do tempo por duas esferas luminosas azuis controladas remotamente através de sistema bluetooth. Desde que adentramos o espaço cênico, nos deparamos com os três corpos que, ao realizarem deslocamentos diagonais no espaço, já friccionam as relações entre organicidade e mecanicidade.

No decorrer da obra entramos em contato com diferentes possibilidades corporais de resposta à pergunta-título da performance, estando em algumas delas mais direta a relação de composição entre as movimentações geradas no/pelo corpo da artista com aquelas adotadas pelos corpos autômatos das esferas luminosas, e em outras, estando a relação de oposição entre orgânico e inorgânico expressa apenas nas/pelas movimentações da performer.

Se em determinada sequência nos deparamos com a fragilidade e a fadiga do corpo humano exposto à falha na tentativa de repetição, em outra vemos um corpo mecanizado, que se move através de movimentos sincopados. Em outro momento ainda, o impulso na busca pela permanência faz com que a artista e as esferas adensem e ralentem seus movimentos, dançando uma espécie de butô tecnológico.  

Para além da presença, disponibilidade e técnica corporal vigorosas apresentadas por Flavia Pinheiro, e da hipnotizadora presença dos objetos inanimados em movimento, contribuem para a apreciação da performance a composição musical de Leandro Olivan e a iluminação de Pedro Vilela. Ambos os elementos colaboram na criação das diferentes atmosferas que caracterizam cada sequência da obra, somando-se também ao diálogo sobre tecnologia ao fazerem uso de sons eletrônicos na música, e fontes de luz diversas na iluminação.

No embate entre o corpo humano e aquilo que é mecânico e artificial na busca por encontrar formas de sobrevivência, a intérprete sugere ao final da obra uma transformação física que não aponta para o inorgânico com o qual competiu/compôs no restante da ação, mas para um possível caminho oposto. Trajando uma máscara cravejada de pedras que remete à imagem de uma mosca futurista, o corpo da artista transmuta-se, adquirindo uma animalidade que parece materializar uma força ao mesmo tempo ancestral e atemporal.  E se não fôssemos humanos, o que seríamos ou no que nos tornaríamos? Talvez a resposta, por ora esteja ali: nessa força selvagem capaz não apenas de manter a vida, mas que possibilita também a abertura de fissuras.  

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