[Quando o abraço se torna saudade...]

Por Heloísa Sousa
05/05/2017

Ser uma “artista do teatro” e escrever sobre dança é estar no meio do fogo cruzado. Mas, esses fogos ao invés de caracterizarem um bombardeio que pressupõe uma destruição, são na realidade, fogos de artifícios que se cruzam e produzem no céu uma gama de cores e formatos que nos deixam estarrecidos. Digo isso, porque por mais que pensemos o hibridismo das linguagens artísticas e todas as possibilidades de cruzamentos e experimentações pós-vanguardas europeias; ainda assim, criamos sistemas institucionalizados que dividem os conhecimentos e te tornam aptos a fazer/pensar isso ou aquilo. No entanto, essas “fronteiras” só existem enquanto organização de referenciais em áreas específicas, a fim de tornar o saber mais didático e facilmente apreendido. Na realidade, a cena é uma experiência estética, onde a relação entre artista e espectador se estabelece a partir de tudo o que é posto diante dos nossos sentidos, sejam eles estímulos visuais, sonoros, olfativos, táteis, gustativos, entre outros. Os referenciais e as técnicas são basilares para o processo de criação e te permitem uma reeducação do corpo que frui a obra; mas eles não determinam a experiência em si. A obra cênica, seja ela nomeada de dança, teatro ou performance, é uma montagem de tudo aquilo que desejamos compartilhar com o outro. É um abraço, e para isso é preciso estar de peito aberto.

É também o abraço que move a composição coreográfica “Andara” da Cia. de Dança do Teatro Alberto Maranhão (CDTAM), assinada por Juarez Moniz. O coreógrafo e também bailarino desta composição é um dos nomes mais destacáveis da nova geração de artistas da dança em Natal. Ao assistir a obra não me pude deixar de me impressionar com a direção de movimento do espetáculo. Para além da técnica apurada dos bailarinos da CDTAM, verificada por uma formação consolidada no balé clássico e em outras práticas de dança; em “Andara” a técnica serve a enunciação do corpo e sua capacidade de estar presente. Na dança coreografada por Juarez Moniz, os corpos em cena sabem se desenhar pelo espaço e ocupar também é movimento. A busca pela sincronia é substituída pela justaposição dos corpos em movimento, ressaltando as individualidades em cena. Em uma linguagem marcada pela exaltação do movimento, a capacidade de produzir imagens nos corpos que se movem é algo que merece destaque. 

É por este motivo que, mesmo sem outros estímulos visuais através de uma cenografia, é possível perceber o que esses corpos desejam e comunicam. E eles desejam o encaixe do corpo do outro nos seus. Parece que fomos feitos para abraçar e a dança nos mostra quantas possibilidades temos de nos encaixar uns nos outros, como peça de um grande quebra-cabeça. E são quase sete bilhões de peças no mundo. “Andara” quer dizer “abraçar para dançar” em tupi-guarani, e foi este termo que mobilizou o processo de criação deste espetáculo.

Mas, para abraçar é preciso estar de peito aberto. E neste ponto, os figurinos criados por Pablo Ramon assumem uma função primordial na construção dessa imagem, com peças de roupas leves que se abrem e se fecham no peito, na medida em que os corpos se movem. E há um peito por debaixo das vestes, há pele, há corpo. Há coerência na escolha de não colocar ruídos em forma de vestimenta por debaixo dos figurinos dos bailarinos; não deixando as vestes assumirem a mais opressora de suas funções: a função moral.

Durante a primeira metade do espetáculo, os quatro bailarinos se mantêm dançando em cena e não há espaço para um desvio de atenção. Pois, as relações estabelecidas se constroem com a mesma facilidade que se diluem e somos bombardeados por imagens corporais, desenhos, posturas e movimentos que me fizeram pensar que este espetáculo não falava somente do abraço. Falava da saudade. Não seria a mesma coisa?

Em um outro momento, os bailarinos Juarez Moniz e Margoth Lima formam um duo. Então, começo a pensar que a repetição dos encontros “puros” entre os corpos na dança acabam construindo certa linearidade em cena. A ausência de elementos cenográficos ou outras intervenções para além das dimensões do próprio corpo, ajudam a construir um espaço vazio onde os artistas mostram toda a sua potência, mas também se saturam. Seria interessante se pensássemos na coreografia não apenas como uma organização dos movimentos em cena, mas também como uma escrita da dança. E neste sentido, há outras possibilidades de experimentação e criação, pois o corpo em movimento se relaciona, afeta e é afetado por tudo ao seu redor. O corpo em movimento cria espaços, interações, ritmos, provocações, modifica os objetos, os discursos e a si mesmo.

O corpo instaura realidades.

Direção Artística: Wanie Rose

Coreógrafo: Juarez Moniz

Bailarinos: Bruno Borges, Gustavo Santos, Juarez Moniz e Margoth Lima

Figurino: Pablo Ramon

Designer de Luz: Ronaldo Costa

Iluminação: Daniel Rocha

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