[Corpo, objeto e dez anos se passaram...]

Por Heloísa Sousa
21/04/2017

Em março de 2017, o Itaú Cultural em São Paulo (SP) organizou uma mostra de dança contemporânea com apresentações de diversos artistas residentes na cidade paulista, entre eles a curitibana Elisabete Finger com seu trabalho solo “Amarelo”. Finger, que reside em SP há alguns anos, retoma esta composição criada em 2007, mas que possui uma grande relevância na sua trajetória artística por compor parte de suas experimentações em dança contemporânea pelo mundo onde evidencia as relações possíveis entre as diversas materialidades que nos rodeiam, incluindo nosso próprio corpo.

Reapresentar uma obra cênica dez anos depois de sua estreia é um desafio anacrônico. Apesar de buscarmos tornar as obras de arte atemporais, é importante pensar que seus discursos se eternizam na história, mas que os modos de fazer se localizam em espaços e tempos específicos e nos trazem a sensação de que determinadas formas já foram exaustivamente exploradas. Talvez seja isso o que mobiliza a criação artística, a busca por outros pontos de vista, por outros diálogos e atravessamentos das mesmas coisas que nos cercam e que pouco compreendemos.

“Amarelo” é uma composição coreográfica de 36 minutos onde o encontro entre as materialidades escolhidas pela intérprete é o que conduz os movimentos, muito mais do que uma aleatoriedade improvisada ou memorizada. Finger constrói um diálogo entre o corpo e os objetos dispostos em cena e nos convida a observar essa conversa descontraída; onde imagens se formam e se transformam diante dos nossos olhos.

Um corpo em cena vestindo apenas um calção vermelho, um enorme plástico amarelo, um pedaço de goiabada, um cacto em um vaso, um massa de pão crua. Esses são os elementos que compõem a lista de objetos que Finger traz para o palco. Seu corpo quase despido é uma oferenda de pele a essas materialidades também nuas, e cada materialidade oferece sua simplicidade ao contato e à criação. Ao longo do tempo desta obra, vamos observando Finger dispondo esses objetos sobre seu corpo, vestindo, engolindo, brincando, abraçando, entre outras possibilidades. A cada instante, cria-se uma imagem, ou uma espera, ou um desaparecimento, ou um movimento sutil da ação do tempo e do peso sobre os corpos.

Observo que cada objeto posto busca passar por três planos do corpo da intérprete: cabeça, braços e pés; como se essas materialidades de cores vivas andassem pela pele de Finger. “Amarelo” faz parte de uma série de composições coreográficas contemporâneas (de dez anos atrás - até onde irá a contemporaneidade?) que trouxeram para a cena a ênfase na exploração dos contatos e imagens formados entre corpo-espaço-tempo-objeto que produziam uma experimentação em tempo real, mais do que a elaboração de um discurso político complexo. Obviamente que qualquer micro-relação estabelecida pelo corpo suscitará alguma possibilidade discursiva e política; mas este não é o foco desta obra. Finger retoma o jogo como princípio de composição cênica, reelaborando o lúdico e o imaginário através das cores, das imagens, da despretensão de criar algo extraordinário. Escolha que reverbera em seus outros trabalhos, principalmente na composição de coreografias para crianças.

Com este trabalho e com toda a sua trajetória ainda em andamento, Elisabete Finger torna-se um dos principais nomes da dança contemporânea brasileira com uma pesquisa estruturada na relação entre corpos, objetos e outras materialidades.

Uma peça de e com Elisabete Finger
Colaboração artística e olhar exterior: Joana von Mayer Trindade
Desenho original de luz: Harrys Picot e Fábia Guimarães
Assistência, adaptação e operação de luz: Calu Zabel
Acompanhamento: Ricardo Marinelli
Projeto gráfico e ilustração: Gustavo Bitencourt
Fotografia: Alessandra Haro
Produção: Carolina Goulart ou Cândida Monte e Well Guitti

Um projeto Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial

 

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