O que levamos do outro

Por George Holanda
09/12/2016

O espetáculo Violetas, da Cia. Violetas de Teatro (RN/PB), mostra o reencontro simbólico da atriz e criadora da obra, Mayra Montenegro, com a sua avó, Wilma Montenegro, já falecida. O trabalho marca mais uma vez a parceria de Mayra Montenegro com sua mãe, Eleonora, que a dirigiu antes em De Janelas e Luas e que agora faz a assistência de direção, na construção de uma obra em que laços familiares estão presentes tanto no ambiente interno do grupo como também na cena.

Por meio da técnica da mimeses corpórea, Mayra revive sua avó Wilma, assim como outras mulheres, numa pesquisa de reconstrução física que tem como referência na área a própria diretora da peça, Raquel Scotti Hirson, integrante do Lume Teatro. Mayra dá vida à várias figuras, numa dramaturgia que vai sendo costurada por muitas linhas que juntas contam a história de Dona Wilma, da sua juventude, do seu sonho em cantar, mas também de mulheres diversas, e, por fim, da própria Mayra.

Uma das personagens de Mayra é uma apresentadora de um antigo programa de rádio/televisão de quando Dona Wilma era jovem. Aquela nos apresenta regras rígidas de conduta social a ser obedecidas pelas mulheres da época. O absurdo com que tais normas soam nos dias de hoje associa o espetáculo a um discurso em favor da mulher, mas em especial em favor de Dona Wilma. Uma mulher que queria ser cantora, mas que viveu como dona de casa. Mayra começa o espetáculo cantando como uma estrela de antigos musicais mas desempenhando tarefas domésticas, o que bem representa a condição da sua avó. O espetáculo desenha um cenário histórico da posição da mulher naquele momento, mas a atmosfera da peça é familiar, caseira, o que é construída em grande parte pelo texto, mas também pela singeleza do cenário, composta de apenas uma mesa e cadeira, além de pequenos utensílios.

Vamos  testemunhando e descobrindo Dona Wilma e seu sonho em cantar, por meio de histórias delicadas, memórias de infância. um trabalho documental a partir de registros pessoais e íntimos. Mayra nos revela como sua avó viveu a arte no seu dia a dia, contaminando todos a sua volta com seu espírito. Percorremos a trajetória de Dona Wilma, sempre num registro de sutiliza e afeto.

Simbolicamente, por meio de sua neta, o sonho de Dona Wilma se realiza mesmo após seu falecimento, quando aquela, utilizando-se da mimeses, vive sua própria avó, cantando e atuando no palco. A concretização desse sonho, apenas agora, para além de um ajuste de contas com a história, nos ajuda a entender um pouco do que partilhamos com as pessoas e da singularidade de cada um, assim como do que levamos do outro nessa caminhada.

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