Por Heloísa Sousa
18/08/2025
Esta é uma publicação vinculada ao projeto “Fabulações Coletivas: Diálogos e Movimentos” do Coletivo Atores à Deriva (RN) que compõe o Circuito Funarte de Teatro Myriam Muniz 2023, com realização do Governo Federal, Ministério da Cultura e Funarte.
EDITORIAL
Ainda em 2024, comecei a ser surpreendida com alguns convites pontuais para fazer acompanhamento crítico de processos de criação, intercâmbio artístico ou circulação de obras cênicas - mas tudo ainda no campo da idealização, através da inscrição de projetos em editais. Depois de quase dez anos atuando como crítica de arte através do site Farofa Crítica, para além da atividade crítica desempenhada de forma independente em temporadas e apresentações de espetáculos e de forma contratual em festivais de teatro e dança pelo país, alguns artistas e grupos começaram a sugerir possibilidades de parceria que adentrassem a sala de ensaio. Entre esses convites, estava o do Coletivo Atores à Deriva (RN) para integrar o projeto “Fabulações Coletivas: Diálogos e Movimentos” que após aprovação em edital público findou compondo o Circuito Funarte de Teatro Myriam Muniz 2023, com realização do Governo Federal, Ministério da Cultura e Funarte. Assim, o projeto foi realizado no ano de 2025 e para além das diversas ações artísticas promovidas, é importante também dar destaque ao fato de que esta é a primeira vez que o Farofa Crítica desempenha sua prática dentro de uma sala de ensaio e se põe na observação da interação entre grupos na criação de algo. Como o nosso site vem sendo o único ativo e dedicado à escrita de crítica de arte na capital potiguar, essa parceria também se torna um marco histórico na cena natalense deste século XXI.
O projeto “Fabulações Coletivas: Diálogos e Movimentos” possui autoria do Coletivo Atores à Deriva (RN) que já vem atuando na cidade de Natal desde 2008, e se propôs a ser um intercâmbio artístico que gerou o encontro com outros dois grupos longevos da Região Nordeste, são eles: a Inquieta Cia (CE) e o Grupo Magiluth (PE). O projeto ganha braços múltiplos, abarca diversas ideias e em sua concretização vai se espalhando pelos espaços culturais de Natal promovendo uma semana intensa de atividades. Para além de Natal, a ideia também promoveu o deslocamento do Coletivo até as cidades de Recife (PE), Garanhuns (PE) e Fortaleza (CE), nesse sentido, a possibilidade de circulação dos últimos espetáculos do repertório dos três grupos é somada ao intercâmbio artístico que finda também por vislumbrar uma nova criação em parceria. O projeto “Ouriço” vai sendo gestado como uma obra teatral enquanto a circulação acontece, sendo atravessado esteticamente e procedimentalmente pelo encontro entre os grupos e gerando compartilhamentos com o público através de ensaios abertos. Não é novidade que a partilha desses embriões cênicos trazem frescor à comunidade artística quando podemos observar a potência dos rabiscos e seus riscos, a falta de acabamento como abertura do imaginário e da recepção, o desejo de continuar criando teatro como mola propulsora da presença cênica. Ou seja, “Fabulações Coletivas” é um projeto que também aponta para o futuro, ocupa-se de germinar algo por vir.
Enquanto veia do presente, o projeto faz vibrar as últimas obras dos três coletivos permitindo chegar à Natal mais uma breve temporada de “Fábulas de Nossas Fúrias” do Coletivo Atores à Deriva no TECESol, “Estudo N.1: Morte e Vida” e “Miró: Estudo N.2” ambos do Grupo Magiluth, e “Tchau, Amor” da Inquieta Cia, esses apresentados na Casa da Ribeira. Em uma cidade como Natal que, apesar de ser uma capital, sofre com uma crescente precarização político-cultural que a coloca para fora do eixo das circulações, acompanhar quatro espetáculos ao longo de uma semana, instaura um oásis digno das memórias dos tempos em que a cidade tinha festivais de teatro e dança. Somado a isso, é inegável a força crítica derivada da possibilidade de observar um fragmento considerável da cena contemporânea que vem sendo produzida no Nordeste e alguns de seus principais articuladores.
Sem desconsiderar essa dimensão, o Coletivo Atores à Deriva também lança seu olhar para os arquivos históricos e para a atividade crítica dedicando espaço para essas ações através da parceria com o Farofa Crítica.
Somos, então, convidados a acompanhar os encontros do intercâmbio artístico, durante a etapa Natal, que se realizaram no TECESol com a presença dos três grupos teatrais citados anteriormente. Para realização desse acompanhamento estavam presentes eu, Heloísa Sousa, editora do Farofa Crítica e Amanda Bixo, crítica de dança e colaboradora efetiva do site. Como materialidade a ser produzida nessa intersecção, sugerimos o lançamento da edição de 2025 da Revista Farofa Crítica com textos dedicados às atividades da etapa de Natal desse projeto. Entre os dias 09 e 14 de junho de 2025, eu e Amanda estivemos na sala de ensaio munidas de nossos cadernos e canetas para observação, diálogos e colaborações, mas também atentas à possibilidade de responder algumas perguntas sobre a própria prática artística em seus encontros e trocas.
Dois meses depois, publicamos aqui cinco textos entre críticas e ensaios, que documentam o projeto “Fabulações Coletivas” instigando sua continuidade para além do próprio coletivo que responde por sua autoria. A partir do intercâmbio artístico, Heloísa Sousa escreve um texto ensaístico que reflete sobre essa proposição como prática pedagógica para artistas profissionais, enquanto que Amanda Bixo escreve outro texto crítico com enfoque no processo de criação da obra “Ouriço” que nasce como vértice deste intercâmbio em específico. Junto a esses escritos, seguem outros textos críticos sobre as obras que circularam por Natal: Bixo escreve sobre os peças-estudos do Grupo Magiluth, enquanto Sousa traz palavras sobre “Fábulas de Nossas Fúrias” e “Tchau, Amor”.
Esperamos que a leitura desta edição da Revista Farofa Crítica possa trazer rememorações ao público-leitor de um momento singular promovido pelo Coletivo Atores à Deriva neste ano de 2025; mas que, para além disso, essas palavras documentem os vestígios e pensamentos de um projeto que clamam por continuidade e derivações. E que os caminhos abertos pelo Coletivo na parceria com o Farofa Crítica possam instaurar o reconhecimento da importância de dedicarmos espaço, tempo e investimento às outras atividades do pensamento que mantenham a nossa produção artística passível de diálogos, dissensos e transformações. A crítica de arte não precisa posicionar-se apenas como exógena ou parte da etapa final de espectação, ela pode apresentar-se como aliada do artista na sala de ensaio e tensionar tanto a arte quanto a crítica, enquanto forças moventes da cultura.
Para acessar a versão completa da Revista Farofa Crítica, em pdf, basta clicar no link abaixo. Os textos também seguem divulgados em abas independentes neste site, neste link.
Foto do Banner: Brunno Martins.