[Sobre aquilo que brilha no es-CU-ro]

Por Heloísa Sousa
18/09/2018

Palavras poéticas (talvez desconexas) sobre uma experiência.

Fumaça e luz. Muita luz, certa fumaça. Na direção dos nossos olhos. Queima de leve, incomoda, mas é possível suportar. Muita fumaça e luz. Algo aparece. Um corpo? Uma coisa meio sombra, meio luz, meio silhueta. Nu. Não é possível ver claramente, muita luz, mas é possível imaginar. Posições do corpo. Da espécie humana. Ou algo além disso, a gente pode se inventar também. Gente é bicho, não sei se você lembra. Tem bichos que são pessoas. Tem bicho que é só raiva. Tem bicho e tem gente que tem outros afetos, que afeta. Tem também pele, suor, pinto, buceta, cu. Tem olho, cotovelo, boca, nariz. Tem glitter, põe por cima. Brilha. É gostoso brilhar. É bom ver brilhar.

Corpo é materialidade, carne. Nos faz pensar em outras coisas, urina, esperma, saliva, suor. Coisas do espaço, areia, luz, água. Coisas do afeto, interações, compartilhamentos, aproximações. A vestimenta rouba esses pensamentos e nos direciona para outros lugares. A pele faz tudo isso explodir nos nossos olhos, liberta nossos pensamentos e nos deixa despidos para a imagem+ação.

E tem um rabo. Gosto de rabos. Nós, espécie humana, tínhamos rabos, mas perdemos na cadeia da evolução (?). Mas temos o cu, que é o mesmo que um rabo. E as pessoas tem um pouco de medo dele (ou do que ele representa - ?), mas ele não é tão mal assim, na verdade é bem fundamental e até prazeroso. Você já sentiu? E o corpo, que tem um cu e está nu, e tem um pinto também e está com um rabo vermelho, bonito e comprido acoplado começa a interagir.

O corpo nu, que brilha, com rabo e com pinto se aproxima da gente. Sorri, abraça, beija, afeta. Pode parecer estranho, mas olha só, é igualzinho a gente. Lembro da minha gata. Ela também tem um rabo. E adora um carinho no rabo, tem tesão. E tem uma cota diária de afeto também que deve ser atendida prontamente. Tem umas espécies que evoluíram (?) melhor que outras.

Esse corpo nu, que brilha, com rabo e com pinto, que se aproxima, que beija, que abraça e que afeta... também fala. Fala do que pensa, do que viveu, constrói conexões verbais outras. E o sentido se dá não pelo encadeamento lógico de todas as palavras; mas pelos fragmentos que a gente absorve no ar. O sentido também se constrói pelos outros sentidos. Aquilo que a gente ouve, que a gente cheira, que a gente vê, que a gente toca é tão potente de experiência quanto alguns outros entendimentos. E para a experiência ser efetiva e afetiva, não crie expectativas, deixe o encontro falar por si só.

Palavras outras (talvez não tão desconexas) sobre uma experiência.

O solo de Igor Leal é criado com referências na teoria queer e na pós-pornografia. Em cena, lidamos com experiências de afeto, violência e erotismo de um corpo marginalizado por se desviar do “natural”. Fucking nature! Mas, na multiplicidade de sexualidades e gêneros que se (re)constroem em cada indivíduo, evitando excessos de definições, há também muita empatia. As diferenças conectam e as histórias se cruzam o tempo inteiro. Plateia, artistas, performador, uma sala repleta de corpos e vidas distintas que se aproximam e são capazes do conflito e do compartilhamento. E por estarmos tão adaptados a agressividade, alguns gestos de carinho podem parecer incômodos por sugerirem passividade. Mas, e se pensarmos que o afeto positivo é o ativo do humano, enquanto que o afeto negativo é um passivo diante do instinto?

No programa que recebemos sobre a obra, lemos a descrição de que o trabalho “foi produzido de forma totalmente independente e horizontal, a partir da colaboração com diversos artistas”. Nesse sentido, destaco não somente a performance de Igor Leal, mas também a direção de Fernanda Branco Polse e dramaturgia de Ana Luisa Santos que contribuem para dar forma artística aos desejos do performador. A construção da cena, em parcerias, transita entre imagens, pensamentos e relatos com algumas fragmentações e repetições que criam uma obra que relaciona o real e o ficcional. A poética do texto, bem posicionado em cena pois não consome toda a obra nem gera hierarquia com os demais elementos, está em frases potentes ditas no meio de algum caos de palavras que não percebemos.

A linearidade não é coerente.

 

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