Cabeças, pensem!

Por Paul Moraes
02/04/2017

Permitam-me trazer um breve panorama temporal e – por que não dizer? – documental, para que, quem sabe ao final desse texto, eu possa ter com sucesso apresentado as obras e o vínculo com elas criado através da experiência que tive na segunda-feira, dia 13 de março de 2017, no Teatro Ipanema, Rio de Janeiro. Iniciemos a jornada.

            O ano é 1986. Eu só nasceria cinco anos depois, em 1991 e então, só mais de vinte e cinco anos em direção ao futuro é que eu teria a experiência de vivenciar a obra que com certeza não é coerente qualificar como musical, pelo menos não nos moldes em que estamos acostumados a ver. Por isso, opto por chamar de “show espetáculo” a obra Cabeça (Documentário Cênico) do Complexo Duplo, dirigida por Felipe Vidal, que também assina a dramaturgia colaborativa do espetáculo.

            Voltando a 1986, muita coisa aconteceu naquele ano. Uma delas? O lançamento de Cabeça Dinossauro dos Titãs, um álbum com status de obra-prima do Rock nacional. Suas faixas abordavam diversos assuntos, desde religião, família, violência, política e humanidade e todas evocavam uma discussão sobre o Homem e sua condição de ser e existir no mundo - uma leitura minha, após ter sido apresentando a todo o álbum durante o espetáculo de Vidal, que se divide em duas partes: lado A e lado B, como em um cassete ou vinil de tempos passados.

              Homenagem não é a palavra. Talvez, comemoração. Arriscaria chamar de Ode, o que vejo em cima do palco sendo feito por esses homens meninos, trinta anos depois do lançamento de Cabeça Dinossauro. O Complexo Duplo sobe aos palcos trazendo um resultado cênico embasado em uma pesquisa de Teatro Documental, através das canções e de como elas afetam as memórias dos atores que contam suas histórias e as de uma geração. O texto surge tornando-se espelho de uma época, de uma geração de jovens inconformados e frustrados com o rumo que as coisas estavam tomando no país, mas com garra para lutar pela mudança. Nesse ponto, escancaro o quão necessário se faz esse espetáculo, pois quando penso Teatro Documental, penso logo no recorte de um tempo, de uma história ou mesmo de uma pessoa que é trazido para o palco se valendo de teatralidade, tornando-se um documento histórico vivo e poético; bem, Cabeça é exatamente isso: o registro de um tempo que parece não ter sido avançado.

E por isso reflito:

            Como um espetáculo documental referenciado no ano de 1986 pode ferver o peito e as ideias de um jovem de 25 anos que não viveu aquela época? Equação simples, três décadas se passaram, muita coisa aconteceu, mas parece que nada mudou. Eu sou um jovem reflexo do meu tempo como muitos que por um motivo ou outro se vê agredido dentro da sociedade em que vive, que se vê descrente no poder público e na política, que enxerga a religião e a família se transformando em comercio fácil, que se indigna, grita, vai pra rua e luta.

Esse trabalho traz à luz textos ditos pelos jovens de 86, hoje adultos, pais, e artistas que têm no teatro sua principal arma de luta. Eles são em algum lugar meu reflexo de futuro. É magnifico o como a particularidade vai se transformando em universal através dos textos criados em laboratório com recursos do Teatro Documental, das projeções, dos fatos históricos que se repetem como um infeliz evento cíclico que atualiza apenas os personagens de uma mesma história que vem sendo contada há muito tempo.

            Em tempo, a direção musical assinada pelo também ator do espetáculo, Luciano Moreira e por Felipe Vidal, indicados e ganhadores do Prêmio Shell na categoria melhor música, é impecável. É impressionante ver os atores nos vocais e nos instrumentos, e mais impressionante é saber que apesar da familiaridade com a música, é para o espetáculo que os atores se tornam exímios na execução, não deixando nada a desejar e convidando o espectador a extravasar - pena que apenas no final, o que faz de assistir ao espetáculo sentado marcando o tempo da batida no pé e nos ombros ser um leve e compreensível incômodo.

            Evocando minhas memórias da experiência vivida, terminando de ouvir o famigerado álbum de 1986 ao qual me afeiçoei, vou chegando ao fim desse texto, esperando ter escrito um convite para que quem tenha a oportunidade de ver não a perca e um documento que me comprove que daqui a trinta anos possamos ter avançado nos assuntos de fato.

 

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